domingo, 18 de maio de 2008

Limbo no jantar


Na Jamaica, os ouvidos mais puristas perceberam finalmente o óbvio: o reggae já não faz sentido se não estiver associado ao modelo roots. Intervencionista e, principalmente, com a realidade nas mãos em vez de flores. A coisa ainda demorou, até porque "Welcome To Jamrock" é de 2005. Mas serviu, sobretudo, para o mundo esfregar os olhos no que toca ao dancehall. Nova mentalidade, aceitação renovada, a anos-luz do lobby. Analisando muito por alto, o dancehall está a ter uma evolução fabulosa em termos de produção e voz. No campo de quem produz (os engineers de Kingston), há o Stephen "Di Genius" McGregor que, raízes de parte, é um prodígio que faz riddims épicos (quando estiver com vontade de matar alguém, quero que se oiça o "Red Bull & Guinness" em fundo) e se refugia nos Bigship Studios numa espécie de meditação contínua; os Daseca, que vão conjugando linhas de comoção e arrebatamento (ora delírio, ora introspecção), e o Demarco, com mãozinhas que enriquecem um espírito rythm and blues pouco presente e representado. No que toca à voz, o género tem andado a morrer de encantos pelo auto-tune. É bom sinal, sinal de que a soul anda a passear na cabeça de todos os cantores (não pode haver melhor exemplo do que este; é curioso notar que o Mavado não precisa de efeitos na voz). Mais especificamente, temos personagens diversas num combate comum: o Mavado foi, segundo o próprio, criado à imagem e semelhança do 2Pac; o Busy Signal encarna o tipo que acabou de sair da prisão e procura a redenção e o auto-controlo; o Munga é um ente espiritual muito próximo de Tafari Makonnen que parece ter engolido um vocoder; o Serani tem gosto em arranjar-se e o objectivo de explorar o falsetto até as cordas vocais rebentarem. E, com dissing e clashes a testá-los, o dancehall vai amadurecendo, sendo rei.

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